segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

As transformações nos mercados públicos Proposta para o mercado de São Brás em Belém, Pará


Por Celma Chaves
O projeto de intervenção no mercado de São Braz é uma apologia da gourmetizacão, a ser entregue à iniciativa privada: boulangeriepub, empório etc. Está na contramão das recentes propostas (Londres, Barcelona), que buscam redirecionar os mercados às suas funções originais de abastecimento alimentício nos bairros onde estão instalados.
Essa ideia de que nas “capitais do primeiro mundo” a tendência são esses mercados “gourmets” como o da Boqueria em Barcelona, o São Miguel em Madrid e o da Ribeira em Lisboa, é uma falácia que está sendo totalmente questionada pelos moradores dos bairros, e por suas reivindicações, estão sendo adotadas novas estratégias pelo poder público.
Em Barcelona, uma cidade com experiência modelo em intervenções em mercados públicos, está se realizando uma revisão do que vem sendo feito nas últimas décadas, recuperando os mercados para os cidadãos e cidadãs dos bairros, por meio da introdução de novas práticas como o comércio de proximidade e ecológico. Isso se deve a que, apesar de ter sido uma experiência que manteve os mercados em atividade, recuperou sua importância na cidade, e em grande parte manteve sua concepção original e preservou os edifícios históricos, não deixou de contribuir para uma certa “gentrificação” como no caso do recém reformado mercado de Santo Antoni.
Alguns mercados da Espanha – em Madrid, Barcelona, Valência e Terrassa – foram reformados e modernizados sem que tenham passado por um processo de negação de suas funções. Modernizaram-se, atendendo as novas demandas de consumo alimentar, não precisando para isso serem “gourmetizados”. Continuaram servindo aos bairros, oferecendo alimentos frescos, ainda que em alguns deles se encontre boxes de venda de alimentos processados, de comida pronta.
Portanto, não existe apenas um modelo de recuperação desses espaços como o que se propõe para o mercado de São Braz. É possível uma proposta que contemple permissionários, as exigências de consumo atuais, a vocação de comércio e serviços da área, o respeito ao edifício, que embora bastante alterado, ainda é um patrimônio e elemento de identidade histórica, e sobretudo sua permanência como mercado público.

Mercado São Braz, maquete eletrônica da proposta da Prefeitura de Belém
Imagens divulgação [website Companhia de Tecnologia da Informação / Prefeitura de Belém]
Portanto, o que se quer implementar em Belém com essa proposta para o Mercado de São Braz, desvirtuando a função do mercado, e acima de tudo, expulsando os permissionários e vendedores de seus locais de trabalho, será um desastre, pois é necessário muito mais que um “retrofit” no edifício com uma “leitura diferente onde transforma-se em um novo e verdadeiro espaço de serviços, compras, gastronomia e convivência social”, como descreve o projeto elaborado pela prefeitura.
Uma intervenção deve ser articulada com as atividades de vocação comercial e serviços, e às outras obras de relevância na área, como a escola moderna Benvinda de França Messias, a caixa d’água e o edifício da instituição Lar de Maria, estabelecendo eixos de atividades, articulando o antigo e o moderno entre si e à paisagem circundante, e recuperando áreas degradadas do entorno do mercado.
Publicado no Portal Vitruvius
sobre a autora
Celma Chaves é professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e do PPGAU da UFPA. Fez doutorado pela ETSAB/UPC de Barcelona, onde realizou estudo pós doutoral sobre os mercados públicos. Coordena o Laboratório de Historiografia e Cultura Arquitetônica – Lahca.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

Pelo embargo imediato da obra na Casa das Onze Janelas !



Desde 2016, a sociedade civil vem resistindo às tentativas de transformar a Casa das Onze Janelas em um polo gastronômico, o que garantiu inclusive a sua permanência como espaço museal.
No entanto, a nova gestão estadual ao retomar o projeto de polo gastronômico, recua na tentativa de retirar o museu de arte contemporânea da Casa mas resolve expandir o espaço do  conjunto em prejuízo dos jardins e áreas abertas e causando grave impacto sobre a ambiência e legibilidade do bem tombado, numa clara privatização de um dos mais belos espaço de uso comum e contemplação da população.
A intervenção em curso feita pela SECULT privilegia exclusivamente a ampliação do espaço para exploração econômica  em detrimento do respeito à estrutura pretérita que deve ser vista em seu conjunto, ainda que o anexo seja mais recente, está perfeitamente integrado no conjunto, não comprometendo a visibilidade do prédio principal.

A pesada estrutura metálica agride o conjunto, em decorrência da estrutura desproporcional, da inserção de pilares que poluem  a simplicidade da estrutura anexa e por conseguinte impactam diretamente na percepção do antigo Hospital Real Militar. A sequência de pilares e conexão com a cimalha também estão à olhos vistos incidindo negativamente, pois o beiral perde sua leitura visual com a inserção da nova cobertura metálica.

A estrutura torna-se desnecessária em um contexto de preservação da paisagem cultural, primeiro porque existem outras formas de proteção dos usuários externos, como o uso de ombrelones como tem sido feito ao longo dos anos, mais digno, adequado, menos poluente visualmente e praticamente de mesma eficácia contra chuva e insolação , sendo estruturas móveis e soltas, ao contrário de uma construção permanente e em proporções obviamente impactantes; e em segundo, sabe-se que pela posição geográfica e pelo volume de chuvas e ventos  na região não será essa estrutura que resolverá a questão.
Assim sendo, considerando ainda que proporção e harmonia são critérios essenciais em áreas e prédios históricos, exigindo-se que sejam discretas e reduzidas ao mínimo, respeitando a ênfase às edificações históricas, a AAPBEL protocolou ofício junto à FUMBEL e IPHAN, bem como apresentou representação junto ao Ministério Público Federal e Ministério Público Estadual,  solicitando o embargo imediato da obra e sua submissão à nova análise mais criteriosa, buscando uma solução mais adequada que garanta sobretudo a preservação do nosso patrimônio e o direito ao usufruto da  paisagem por parte dos cidadãos de Belém.



sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

O caso da "Rocinha" da 14 de março que veio ao chão




Mais um bem do nosso patrimônio histórico sucumbiu na eterna batalha entre preservação e especulação imobiliária. A edificação totalmente demolida localizava-se na Travessa 14 de março, nº 1635 e constituía-se num dos poucos exemplares da tipologia arquitetônica conhecida como "Rocinhas", importante testemunho de uma forma de morar impulsionada pelos ventos modernizantes da Belle Epoque lemista, bem diferente das edificações do primeiro núcleo urbano original.
Neste caso, o que chama a atenção é o fato de que a demolição foi autorizada pela FUMBEL e o mesmo estava sob proteção legal desde quando foi pedido seu tombamento, dando origem ao PROCESSO DE TOMBAMENTO nº 0699/2018/FUMBEL, de 28/03/2018, que resultou no tombamento aprovado pelo Conselho Municipal de Proteção ao Patrimônio Cultural no dia 02 de agosto de 2018. 
Os responsáveis pelo imóvel há muito anos vinham deliberadamente degradando o imóvel, removendo elementos decorativos e alterando características, para que o mesmo perdesse o interesse à preservação. Dessa forma, a autorização para demolição do bem por parte da FUMBEL e SECULT premiou a ação predatória e serve de estímulo a outros proprietários que não buscam a preservação  e que visam apenas os interesses imediatos em detrimento do interesse coletivo. 
A nosso ver nada justifica a demolição, o bem encontrava-se em estado de conservação regular, necessitando apenas de recuperação de elementos construtivos e o restabelecimento de detalhes decorativos removidos e a sua preservação era perfeitamente compatível com o reaproveitamento, desde que fosse apresentado um projeto adequado de requalificação e restauro arquitetônico com uso compatível que poderia ser habitacional, comercial e/ou serviços e até institucional, inclusive com a possibilidade de inserção de anexos contemporâneos nas áreas posteriores desde que analisados e aprovados pelos órgãos de preservação responsáveis e que não comprometessem a ambiência e legibilidade do próprio bem e de seu entorno.

O fato é grave, pois evidencia a falta de seriedade com que as decisões estão sendo tomadas no âmbito da FUMBEL e do Conselho Municipal de Proteção ao Patrimônio Cultural. Alguns questionamentos devem ser respondidos pelos órgãos de preservação: 1) O Prefeito de Belém não homologou o tombamento? Sua decisão foi publicada em Diário Oficial? Os novos membros do Conselho reviram a decisão dos conselheiros cujo mandato se encerrou em 2019? O que ocorreu nesse período para que a decisão fosse revista?  Ou a demolição foi autorizada sem que o Conselho fosse consultado?

A AAPBEL protocolou Pedido de Informações e acesso à todos os documentos do processo de tombamento e do processo que autorizou a demolição, junto à FUMBEL e também pedido de providências à Promotoria de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural.