quarta-feira, 29 de julho de 2015

Entre a indignação e a tristeza: sobre o incêndio de dois casarões no centro comercial de Belém



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Reproduzimos aqui o lamento indignado da professora Roseane Norat, da FAU-UFPA e associada da AAPBEL, sobre a tragédia anunciada que é o nosso Centro Comercial e que desta vez vitimou  com o incêndio ocorrido no último dia 23 de julho, dois dos seus mais belos e significativos casarões tombados pelo IPHAN: 


Demorei um pouco para me manifestar sobre o incêndio que acometeu dois imóveis da Santo Antônio com a Leão XIII. Não quis ir ao local. Talvez porque dessa vez eu esteja sentindo uma frustração muito maior do que antes. Quantos incêndios, desabamentos já acompanhei de perto? Conheço a lógica inclemente dos incêndios e o processo que os acompanha. As chamas queimam tudo que pode entrar em combustão, até a última cinza. Os focos e rescaldos ocorrerão por 2, 3 dias. Durante o auge do incêndio os bombeiros jorrarão nas paredes litros e litros de água em alta pressão. As paredes se encharcarão, a dilatação dos materiais pela ação térmica, fogo e água será o veneno mortal pra quem jazia agonizante, abandonado, ou subutilizado. Nos dias seguintes discutirão um possível escoramento, algo desesperado para salvar “alguma coisa”, o que for possível. Mas o estrago estará feito. Poderá se salvar uma “lasquinha” do que foi o imponente volume construído. Lembrei nesses dias do incêndio da então Motogeral, hoje sede do Fórum Landi, na Praça do Carmo. Assistimos à noite, em cadeiras de praia. Foi um “acontecimento” na Cidade Velha. Nem sabia o quanto eles me acompanhariam ao longo da vida como arquiteta da área de patrimônio: Casa Chama no Mercado de Carne, vários na João Alfredo, Sto. Antônio e arredores, Av. Portugal com 13 de Maio, na esquina oposta na Leão XIII com a Gaspar Viana, esse em particular há exatos 10 anos atrás, num dia 25/07/2005. Depois virão as reuniões entre Corpo de Bombeiros, órgãos de preservação, a Defesa Civil, os lojistas. Serão realizados relatórios, irão buscar as estatísticas dos incêndios. Diretrizes serão tomadas para evitar novas ocorrências. E assim como a fumaça cessará, o tempo se encarregará de abafar o caso. Até que outro ocorra. E a história dura, repita-se como que dizendo: eu avisei, vocês não quiseram mesmo ouvir (odeio essa frase!!) ... Então chorem pelas cinzas que jazem no chão. Os despojos serão jogados em caminhões de entulhos, alguns serão “resgatados” pelos que se interessam pela preservação e memória, ou pelos que fazem dela um comércio paralelo. Por que dessa vez não quis ir ver? Chorar ao vivo pelo “morto”? Talvez porque dessa vez o “luto” foi menor que a minha frustração pessoal. A antiga farmácia era linda, tinha até certo tempo o mobiliário de época completo. O da esquina compunha com o vizinho oposto uma das vistas mais bonitas e imponentes do centro histórico de Belém. Pisos ladrilhados ou em acapu e pau amarelo, forros em madeira trabalhados, até elevador tinha. Fachada azulejada. Alto, vistoso não se acanhava perante o vizinho suntuoso logo ali em frente: o Paris N´América. De tão belos, não disputavam, mas harmonizavam-se de tal maneira que cansei de circular por aquelas ruas e admirar-lhes a beleza. Não à toa, fazia parte da minha pesquisa de mestrado sobre a reabilitação de áreas históricas por meio da moradia. Desde o início dos anos 2000, a Prefeitura por meio de várias secretarias como a FUMBEL, SEHAB, CODEM, SEGEP, SEFIN, SECON, entre outras trabalharam com a CAIXA e com a consultoria de técnicos franceses em estratégias de reabilitação urbana por perímetros integrados, dos quais a habitação era uma das principais diretrizes. Não conseguimos avançar para além do Justo Chermont, uma edificação comercial transformada em residencial multifamiliar. Mas embora os projetos para as edificações históricas tenham se mostrado viáveis não foram para frente. Segui em frente com outros colegas da área, levando a ideia, ampliada e repaginada para o Estado. Fui diretora nas áreas de patrimônio histórico da SECULT e eu, sinceramente, pensei que seria dessa vez. O Estado tinha mais recursos que a Prefeitura, contava com a COHAB e eu realmente acreditava que iríamos seguir adiante. Além das edificações pensamos em um projeto de recuperação urbana completo por um trecho importante e degradado que ia desde o Boulevard Castilhos França até a Santo Antônio e tinha na Leão XIII e arredores o foco principal de investimentos: recuperação de calçamentos, as vias e seus paralelepípedos, a fiação subterrânea, troca de sistema de iluminação e postes, acessibilidade e o fomento à habitação nos pavimentos superiores de edificações subutilizadas ou abandonadas, comércios e serviços afins nos pavimentos térreos. As estratégias legais estão postas no PDM e até chegamos a “desapropriar” os imóveis. A intenção era que essa primeira etapa de uma intervenção ampla no tecido urbano, que tinha na moradia uma das políticas principais de reabilitação da área, aliada a outros usos como comércios de apoio, além do foco social que estimulava qualificação de mão-de-obra para o restauro e outras atividades que incorporassem os moradores/usuários da área, seria o pontapé inicial para que outras ações subseqüentes ocorressem e atraíssem o investimento privado. Conseguimos um convênio com o Ministério das Cidades para essa primeira etapa e já articulávamos outras estratégias com o Ministério do Turismo. A contrapartida de 10% do valor, pouco mais de R$300 mil não foi liberada. Nunca pagaram as desapropriações. Senti-me incompetente por não conseguir convencer os gestores da importância do projeto. Lembrei ainda do recurso de R$240 mil para a prefeitura elaborar o Plano de Reabilitação do CHB. Esse estava em caixa. Foi devolvido e o plano e atualização da gestão municipal não foram adiante. Essas frustrações técnicas rivalizam com a derrubada do muro do Forte que perdeu o foco e virou disputa política. Uma pena, pois quando a política entra no circuito tudo perde sentido, ou melhor, toma corpo e forma que eu não consigo compreender e acompanhar. Lembrei também, de que um dos herdeiros do imóvel, que sempre conversava conosco, discutia às vezes é verdade, mas sempre foram muito respeitosos, ao me ouvir falando novamente do projeto, do potencial do imóvel, de como seria a estratégia de reabilitação urbana e como eles podiam investir no imóvel nos pavimentos superiores me disse que o faria sim, desde que “começasse a ouvir o soar dos martelos”. Eu, ingenuamente, disse que aguardasse. Talvez isso me doa tanto. Porque hoje se ouve apenas o barulho dos escombros ruindo, o estalar seco da madeira queimada. Ah, como eu sei esses caminhos. Penso agora no Pinho, no desabamento durante as obras de recuperação, na reconstrução da área perdida e como, até o momento, está sem uso, fadado novamente a ruir caso não mudem de imediato essa trajetória. Uma amiga esses dias disse-me que estou ficando ranzinza e rabugenta. Acho que ela tem razão. Não me falaria se não fosse verdade. Acho que estou naquela fase da vida que não posso mais ser tão ingênua e acreditar no mundo e nas pessoas, sem saber que nem sempre será como eu imagino ou gostaria que fosse. E isso é duro, porque a realidade muitas vezes é fria e cortante. E queima. Mas aí eu, que tenho um fio de esperança remoendo minha alma, resolvi então postar não as fotos dos escombros ou incêndio, mas tudo que ele representava: a fachada azulejada, os pisos e forros de madeira, o conjunto que formava. Para que isso? Para que inspire outros jovens, outros proprietários, e quem sabe algum gestor público, pois não podemos esmorecer mesmo que mais essa perda, dura, tenha ocorrido. 400 anos, não são 4 décadas, ou 4 dias. São 4 séculos de histórias e memórias, de vidas e também de esperança de que dias melhores poderão vir. E virão!(?).
Roseane Norat
Santa Maria de Belém do Grão Pará, 25 de julho de 2015.

sábado, 11 de julho de 2015

SEURB adulterou Mapa do zoneamento do Plano Diretor para autorizar prédio de 22 andares no entorno do Centro Histórico

Maquete eletrônica do Office Batista Campos, da Citing Construções.


Em 2012,  um grupo de cidadãos e técnicos lutaram na Câmara Municipal de Belém contra a votação de um projeto apresentado pelo vereador Raimundo Castro que aumentaria o gabarito (altura) das construções no entorno do Centro Histórico e traria sérios impactos na ambiência, legibilidade e infraestrutura da área.
Após manifestação pública e uma ocupação diária das galerias da Câmara, a sociedade civil conseguiu engavetar o projeto, mas enquanto isso,  dentro dos gabinetes da Secretaria Municipal de Urbanismo, se passava por cima da lei e se licenciava a obra de um prédio de 15 andares ou 45 metros de altura, onde o zoneamento do Plano Diretor 2008, permite  construções com até 07 andares ou 22 metros de altura.

A certeza de impunidade de empresários, técnicos, diretores e servidores públicos, em conluio com a bancada do mercado imobiliário na Câmara fez com que ignorassem não apenas a mobilização da sociedade civil, mas também dois Pareceres da FUMBEL, ambos de 2011, que negaram o pedido de demolição do imóvel pretérito e informaram zona, gabarito e modelos urbanísticos.
Talvez para confrontar os pareceres técnicos da FUMBEL, durante o processo de licenciamento da obra, foi anexado um mapa falsificado do zoneamento do entorno do CHB, alterando de forma grosseira os limites da zona ZAU-7, Setor II-A onde está localizado o edifício.




          Abaixo o Mapa falsificado, alterando o limite da ZAU-7, Setor II (Zona delimitada como entorno do CHB)


Mapa fraudado em detalhe

No mapa acima, que consta no processo de licenciamento da obra, o limite da zona do entorno do Centro Histórico foi recuada da Av. Conselheiro Furtado para Rua Arcipreste Manoel Teodoro, de forma a excluir o imóvel da área de proteção.
A delimitação da área de entorno do CHB, estabelecida no Anexo II da Lei 7709/1994 e que foi incorporado pelo Plano Diretor de 2008, em seu anexo VI, com seus respectivos modelos urbanísticos no Anexo IX, é assim descrita: "A área de entorno do CHB compreende a área envolvida pela poligonal que tem início na intersecção da Av. Marechal Hermes com a Av. Visconde de Souza Franco, segue por esta até a Rua Boaventura da Silva, dobra a direita e segue até a Av. Nazaré, dobra à direita e segue até à intersecção com a Rua Rui Barbosa, dobra à esquerda e segue até a intersecção com a Rua Benjamin Constant, dobra à esquerda e segue até à intersecção com Av. Conselheiro Furtado, dobra à direita e segue até por esta até à Praça Amazonas, contorna a praça, incluindo-a nos limites da poligonal até a intersecção com a Rua Arcipreste Manoel Teodoro, dobra à esquerda e segue por esta até a sua intercção com a Rua Cesário Alvim ...."


Mapa do Centro Histórico de Belém e seu entorno com os gabaritos de acordo com a Lei 7.709/1994.

Portanto, em todo ordenamento urbanístico do Município não existe margem para contradições ou enganos quanto aos limites do entorno do Centro Histórico, restando então à atual gestão da SEURB explicar porque foi autorizada uma obra em total afronta a esse ordenamento, abrindo assim grave precedente e colocando em risco a proteção do Centro Histórico tombado. 

Em outubro de 2014, A AAPBEL denunciou a obra ao Ministério Público do Pará, SEURB, FUMBEL e IPHAN visando seu imediato embargo. O proprietário foi notificado por execução de obra sem prévia autorização da FUMBEL, através da Notificação nº 036/2014 - DEPH/FUMBEL . Ainda em outubro de 2014, o proprietário apresenta ao DEPH o projeto arquitetônico , memorial Descritivo, etc. e em 12.05.2015, a FUMBEL emitiu Parecer Nº 009/2015, indeferindo o Pedido de Aprovação de Projeto. As obras do Office Batista Campos estão paralisadas desde  então, sem contudo sabermos a decisão definitiva que será tomada pela SEURB, uma vez que emitiu Alvará da Obra, mesmo sem autorizaçao prévia do Departamento de Patrimônio da FUMBEL.
Além do embargo, demolição dos pavimentos que estão irregulares, a AAPBEL exige que a SEURB abra processo administrativo interno, visando apurar as responsabilidades de servidores envolvidos na falsificação que levou ao licenciamento da obra, o mesmo se solicita ao Ministério Público Estadual, que se abra Procedimento Administrativo para investigar atos de improbidade administrativa  praticados por agentes públicos envolvidos no licenciamento da obra.  



quarta-feira, 8 de julho de 2015

Calçada da Mundurucus é recuperada após pedido da AAPBEL




Em março, a associação apresentou à SEURB, pedido de recuperação da calçada da Avenida Pariquis com Mundurucus, ao lado da Escola Estadual Tiradentes /Santa Maria de Belém, e é com grande satisfação que vimos nosso pedido ser atendido. Hoje pela manhã começaram os trabalhos de calçamento desse trecho da via, que apesar da localização privilegiada, há anos encontrava-se em estado precário e causando muitos acidentes, louvamos assim a atitude da SEURB de acatar e atender as demandas oriundas da sociedade.
Alguém já disse que a cidadania de uma cidade é medida pelo tamanho e qualidade de suas calçadas. A estrutura viária sempre foi pensada para o automóvel, os governos gastam milhões com pavimentação de ruas, mas não querem gastar com calçadas, esquecem que elas também são fundamentais para a mobilidade urbana.
Em Belém, andar a pé é um verdadeiro desafio, principalmente para idosos e pessoas com deficiências físicas, diante de calçadas esburacadas, desniveladas, cheias de obstáculos e todo tipo de dificuldade para quem caminha.
A prefeitura de Belém daria um grande presente para a cidade em seus 400 anos, se implantasse um programa de calçadas, a exemplo do que vem fazendo a Prefeitura de São Paulo, que lançou o programa para construir 1 milhão de metros quadrados de calçadas, investindo 40 milhões de reais e aplicando a lei que multa o proprietário que não não mantem sua calçada e permite que a prefeitura cobre pelo calçamento feito em imóvel particular. O programa de calçadas tem a ver com o plano de mobilidade da atual gestão da cidade, que prioriza o transporte público, transporte individual não motorizado e pedestres. É uma visão de cidade que está se impondo em razão dos grandes desafios que as metrópoles vivem hoje.
Acesse aqui o oficio à SEURB : https://drive.google.com/drive/my-drive