A AAPBEL e outras entidades de defesa do patrimônio questionam a obra e não aceitam mais um atentado ao nosso patrimônio, em nome de obras sem planejamento e sem estudo de viabilidade, e neste caso feita para beneficiar apenas alguns.
Diferente do que afirma a presidente da SEMOB, Maísa Tobias, a obra não é uma necessidade da cidade. Primeiro porque ninguém atravessa a Almirante Barroso nesse trecho, pois o que existe do outro lado, por metros e metros é o quartel do 2º BIS, sem nenhuma parada de ônibus.
A passarela serviria apenas para ligar um prédio a outro, como se ver nesse trecho não há travessia de pedestres |
Segundo, porque a menos de 200 metros a frente, na altura da Alameda Gama Malcher já existe uma passarela que atende o fluxo de alunos da Escola Pedro do Amazonas Pedroso e pedestres.
Passarela localizada ao final dos muros do 2º BIS, a poucos metros onde se pretende erguer a nova passarela |
Essa obra além de contrariar os princípios da administração pública de moralidade, racionalidade e razoabilidade, impactará negativamente na visibildade, legibilidade, ambiência ou mesmo na estabilidade de um dos mais representativos patrimônios da Belle Époque em Belém, o antigo Asylo de Mendicidade inaugurado em 1901 pelo Intendente Antônio Lemos e que em 1935 passou a chamar-se Asilo Dom Macedo Costa.
O Asylo de Mendicidade em 1901, quando foi inaugurado |
Fachada frontal, com a parada da Estrada de Ferro Belém-Bragança |
A AAPBEL encaminhou ofício à SECULT questionando se o projeto foi analisado e autorizado pelo DPHAC, em caso negativo que a obra fosse imediatamente embargada.
Recebemos a resposta de que o projeto encontra-se nesse órgão para análise. Contudo, se ainda está em análise, porque a Prefeitura já iniciou os serviços?
Nesta segunda-feira, dia 15.12, faremos representação ao Ministério Público Estadual, pedindo o imediato embargo da obra já que o projeto não foi autorizado.
Pedimos à arquiteta e urbanista Rose Norat, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFPA uma manifestação sobre mais esse prejuízo ao nosso patrimônio numa cidade que chega aos seus 400 anos e que recebe um presente de grego dado por aqueles que deveriam protegê-la. Rose Norat, apaixonada pela cidade e pelo seu ofício, transformou sua manifestação técnica em uma bela crônica, a qual publicamos aqui:
Belém, uma estrada, seus encantos e desencantos
Roseane Norat
13 de dezembro de
2015
A outrora
estrada que ligava Belém a Bragança era um dos locais mais interessantes,
visual e certamente confortáveis de se viver quando de sua estruturação e
configuração urbana, consolidada no final do século XIX e início do XX na
esteira da expansão e prosperidade econômica da cidade, embalada pela economia
do látex.
A via
larga e arborizada encheu-se de rocinhas, cercadas por quintais, pomares, jardins.
Sem dúvida deveria ser bucólica e encantadora. Às edificações residenciais
somaram-se as estruturas públicas de arquitetura monumental para aquela escala,
tais como a que atenderia aos meninos órfãos ou em situação de extrema pobreza no Instituto
Lauro Sodré, aos alienados (o Hospital Psiquiátrico Juliano Moreira,
desaparecido após incêndio, localizava-se onde hoje está o campus da UEPA na
esquina da Trav. Perebebuí) e aos anciãos (asilo D. Macedo Costa).
Com o
passar do tempo, viu-se as mais diversas tipologias arquitetônicas se
estabelecerem, com uma qualidade arquitetônica interessante inclusive as “novas
arquiteturas”. Além dos exemplares ecléticos, seguiam-se as de gosto neocoloniais,
art deco, os chalés urbanos, as protomodernas. Na década de 1940 a implantação das bases militares gerou a
ocupação de grandes áreas institucionais, a partir da Primeira Légua, que até
hoje detém interessante acervo arquitetônico distribuído em lotes arborizados
que se integram harmonicamente ao conjunto urbano remanescente.
Também na outrora Tito Franco, hoje
Almirante Barroso e transversais surgiriam edificações modernistas nos idos
dos anos 1950/60, sejam de
caráter institucional ou particular, com residências e prédios de lazer tais como
as sedes dos clubes Tuna Luso Brasileira e Assembleia Paraense (esta última
contudo apagou de todo essa memória e recentemente demoliu a edificação
eclética que margeava a via).
Nas últimas décadas, porém, acentuaram-se
as transformações iniciadas desde os anos de 1960/70, com a abertura da rodovia
Belém-Brasília, somada à infraestrutura urbana do bairro Marco, herança da
administração lemista. A cidade assiste a intensificação da especulação
imobiliária imposta pela verticalização e alterações de padrões construtivos em
detrimento ao seu acervo eclético e modernista de interesse à preservação que por
suas qualidades arquitetônicas ou históricas, poderia coexistir com absoluta
facilidade em diversas estruturas de uso contemporâneo, como o caso do banco
instalado na esquina da Trav. Barão do Triunfo, que descaracterizou uma casa
modernista passível, tranquilamente, de ser reorganizada para tal fim.
Obras e
equipamentos urbanos também viriam cada vez mais modificar a paisagem.
Passarelas para atender uma via já não tão bucólica e arborizada, cada vez mais
“expressa”, exigindo as passagens suspensas para travessia minimamente segura de
pedestres. Obras no eixo central sucedem-se nenhuma capaz de atender adequadamente
aos usuários ou seus divulgados fins: entra ciclovia, sai ciclovia, entra BRT,
muda BRT e os resultados não acompanham satisfatoriamente os recursos ali
jorrados. Um elevado instalou-se sem maiores resultados práticos, quase em
frente ao imponente Lauro Sodré, de forma que só se lhe avista bem, aqueles que
vêm para a cidade. Uma passarela de pedestres que ali se instalaria ao menos
foi removida, pois seria um despautério piorar ainda mais a visão daquele
monumento.
Enquanto
isso, ao redor do Bosque, edificações multifamiliares erguem-se ignorantes ao
entorno da área verde pública e tombada pela sua importância à comunidade, seja
pelo seu patrimonio paisagistico, arquitetônico e cultural, ou pela sua
referência à memória coletiva. Temos na memória os passeios em que circulávamos
por seus caminhos tortuosos, sob a sombra das copas verdes altas enquanto nos
enebriávamos com os mistérios que seus recantos oferecem surgindo em clareiras
no meio da “floresta”. O quanto mais
durararão as matas, os animais, as estruturas arquitetônicas e artísticas do
agora Jardim Botânico?
Nas
vésperas do tão divulgado e esperado 400 anos da cidade, eis que afoitas, as
obras surgem aqui e acolá. Do BRT e o traçado da via não espero grandes coisas,
quisera eu estar enganada e me surpreenda com seus resultados. Mas do que se vê
e se sabe talvez não haja muito, de novo, o que comemorar. E mais recentemente,
nos surpreende a divulgação de intenção de construir uma nova passarela em
frente ao antigo asilo D. Macedo Costa, hoje abrigando a Escola Militar do
Exército. Há uma passarela nas proximidades. E semáforos não tão distantes.
A quem interessaria mais uma passarela em
frente à bela arquitetura do asilo que ainda tem o gradil e áreas livres do
lote preservadas? Seria ela imprescindível ao funcionamento da escola militar? Parece
que não. Seus alunos certamente desejariam uma vista mais agradável do seu belo
prédio, do que sua interceptação visual e parcial descaracterização (o conjunto
é tombado e isso inclui gradis, portões, muros, escadarias e elementos anexos
ao conjunto).
Possivelmente,
desejariam que seus professores e diretores, alçados pelo bom senso e pelo
respeito à cidade, não lhes permitisse construir ou fazer tal asneira. A
cidade, onde se estabele merece mais carinho, cuidado e, podemos dizer
cumplicidade. Sejamos então todos cúmplices da cidade, para o seu bem, em todas
as suas dimensões. Para isso, gestores e técnicos, que detem o “poder” da
decisão técnica, sejam antes humildes para reconhecer suas limitações e ouçam
previamente os demais segmentos, inclusive (e nesse caso importante, pois o bem
é tombado pelo Estado e isso é de domínio público) os órgãos de preservação.
Pelo que
se pode observar no local, as “obras” de implantação da tal passarela estão no
início. Antes paralisá-la agora do que cometer tal desrespeito para com a
quatrocentona senhora Maria de Belém do Grão Pará.
Pátio da ala masculina, em 1903. |
É este prédio que irá abrigar o Colégio Militar?
ResponderExcluirSim, esse belíssimo prédio cedido pelo governo do estado, onde antes funcionou a Escola de Governo do Pará. Mas além da cessão, o exército ainda exigiu que fosse construída uma passarela ligando o mesmo ao quartel do 2º BIS.
ExcluirHoje eu conheci o blog, e fiquei sabendo do belo trabalho de vocês. Já li algumas postagens, e um sentimento de desânimo me invadiu. Por outro lado, fiquei feliz em saber que há pessoas engajadas na causa. Parabéns pela dedicação. Se eu puder ajudar de alguma forma, me coloco disponível.
ResponderExcluirObrigado Lia Gloria, confessamos que às vezes esse sentimento nos visita, às vezes a sensação é de que nos querem "matar no cansaço", mas o amor pela cidade e a utopia de que outra cidade é possível nos anima! Você pode nos passar seu email para nosso email : aapbelem@gmail.com e lhe mantemos informadas de nossas ações e também recebemos denúncias de atos de agressão ao nosso patrimônio cultural e ambiental.
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