domingo, 13 de dezembro de 2015

Presente de grego pra Belém 400 anos: a construção de uma passarela em frente ao Asilo Dom Macedo Costa





                                                                                

 A alguns dias atrás a Prefeitura de Belém anunciou que vai construir uma passarela dentro do projeto do BRT,  na frente do antigo asilo Dom Macedo Costa, ex-EGPA (Escola de Governo do Pará), patrimônio tombado pelo estado. Segundo a Superintendente da SEMOB, a obra seria para atender o grande fluxo de travessia de pedestres por causa do número de escolas na área. 
A AAPBEL e outras entidades de defesa do patrimônio questionam a obra e não aceitam mais um atentado ao nosso patrimônio, em nome de obras sem planejamento e sem estudo de viabilidade, e neste caso feita para beneficiar apenas alguns. 
Diferente do que afirma a presidente da SEMOB, Maísa Tobias, a obra não é uma necessidade da cidade. Primeiro porque ninguém atravessa a Almirante Barroso nesse trecho, pois o que existe do outro lado, por metros e metros é o quartel do 2º BIS, sem nenhuma parada de ônibus.
A passarela serviria apenas para ligar um prédio a outro, como se ver nesse trecho não há travessia de pedestres

               
Segundo, porque a menos de 200 metros a frente, na altura da Alameda Gama Malcher  já existe uma passarela que atende o fluxo de alunos da Escola Pedro do Amazonas Pedroso e pedestres.


                                                                                                       
Passarela localizada ao final dos muros do 2º BIS, a poucos metros onde se pretende erguer a nova passarela
Na verdade, a construção da passarela faz parte das negociações do Governo do Estado com o Exército, que repassou o prédio para ali funcionar a Escola Militar de Belém, o equipamento seria uma exigência do Exército para ligar o 2º BIS ao prédio da Escola Militar.
                                                                             

Essa obra além de contrariar os princípios da administração pública de moralidade, racionalidade e razoabilidade, impactará negativamente na visibildade, legibilidade, ambiência ou mesmo na estabilidade de um dos mais representativos patrimônios da Belle Époque em Belém, o antigo Asylo de Mendicidade inaugurado em 1901 pelo Intendente Antônio Lemos e que em 1935 passou a chamar-se Asilo Dom Macedo Costa.
O Asylo de Mendicidade em 1901, quando foi inaugurado
                                                                                     
                                                        

Fachada frontal, com a parada da Estrada de Ferro Belém-Bragança

A AAPBEL encaminhou ofício à SECULT questionando se o projeto foi analisado e autorizado pelo DPHAC, em caso negativo que a obra fosse imediatamente embargada.

Recebemos a resposta de que o projeto encontra-se nesse órgão para análise. Contudo, se ainda está em análise, porque a Prefeitura já iniciou os serviços?


Nesta segunda-feira, dia 15.12, faremos representação ao Ministério Público Estadual, pedindo o imediato embargo da obra já que o projeto não foi autorizado.
Pedimos à arquiteta e urbanista Rose Norat, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFPA uma manifestação sobre mais esse prejuízo ao nosso patrimônio numa cidade que chega aos seus 400 anos e que recebe um presente de grego dado por aqueles que deveriam protegê-la. Rose Norat, apaixonada pela cidade e pelo seu ofício, transformou sua manifestação técnica em uma bela crônica, a qual publicamos aqui:

Belém, uma estrada, seus encantos e desencantos
Roseane Norat
13 de dezembro de 2015
A outrora estrada que ligava Belém a Bragança era um dos locais mais interessantes, visual e certamente confortáveis de se viver quando de sua estruturação e configuração urbana, consolidada no final do século XIX e início do XX na esteira da expansão e prosperidade econômica da cidade, embalada pela economia do látex.
A via larga e arborizada encheu-se de rocinhas, cercadas por quintais, pomares, jardins. Sem dúvida deveria ser bucólica e encantadora. Às edificações residenciais somaram-se as estruturas públicas de arquitetura monumental para aquela escala, tais como a que atenderia aos meninos órfãos ou em situação de extrema pobreza no Instituto Lauro Sodré, aos alienados (o Hospital Psiquiátrico Juliano Moreira, desaparecido após incêndio, localizava-se onde hoje está o campus da UEPA na esquina da Trav. Perebebuí) e aos anciãos (asilo D. Macedo Costa).
Com o passar do tempo, viu-se as mais diversas tipologias arquitetônicas se estabelecerem, com uma qualidade arquitetônica interessante inclusive as “novas arquiteturas”. Além dos exemplares ecléticos, seguiam-se as de gosto neocoloniais, art deco, os chalés urbanos, as protomodernas. Na década de 1940 a implantação das bases militares gerou a ocupação de grandes áreas institucionais, a partir da Primeira Légua, que até hoje detém interessante acervo arquitetônico distribuído em lotes arborizados que se integram harmonicamente ao conjunto urbano remanescente.
Também na outrora Tito Franco, hoje Almirante Barroso e transversais surgiriam edificações modernistas nos idos dos anos 1950/60, sejam de caráter institucional ou particular, com residências e prédios de lazer tais como as sedes dos clubes Tuna Luso Brasileira e Assembleia Paraense (esta última contudo apagou de todo essa memória e recentemente demoliu a edificação eclética que margeava a via).
Nas últimas décadas, porém, acentuaram-se as transformações iniciadas desde os anos de 1960/70, com a abertura da rodovia Belém-Brasília, somada à infraestrutura urbana do bairro Marco, herança da administração lemista. A cidade assiste a intensificação da especulação imobiliária imposta pela verticalização e alterações de padrões construtivos em detrimento ao seu acervo eclético e modernista de interesse à preservação que por suas qualidades arquitetônicas ou históricas, poderia coexistir com absoluta facilidade em diversas estruturas de uso contemporâneo, como o caso do banco instalado na esquina da Trav. Barão do Triunfo, que descaracterizou uma casa modernista passível, tranquilamente, de ser reorganizada para tal fim.
Obras e equipamentos urbanos também viriam cada vez mais modificar a paisagem. Passarelas para atender uma via já não tão bucólica e arborizada, cada vez mais “expressa”, exigindo as passagens suspensas para travessia minimamente segura de pedestres. Obras no eixo central sucedem-se nenhuma capaz de atender adequadamente aos usuários ou seus divulgados fins: entra ciclovia, sai ciclovia, entra BRT, muda BRT e os resultados não acompanham satisfatoriamente os recursos ali jorrados. Um elevado instalou-se sem maiores resultados práticos, quase em frente ao imponente Lauro Sodré, de forma que só se lhe avista bem, aqueles que vêm para a cidade. Uma passarela de pedestres que ali se instalaria ao menos foi removida, pois seria um despautério piorar ainda mais a visão daquele monumento.
Enquanto isso, ao redor do Bosque, edificações multifamiliares erguem-se ignorantes ao entorno da área verde pública e tombada pela sua importância à comunidade, seja pelo seu patrimonio paisagistico, arquitetônico e cultural, ou pela sua referência à memória coletiva. Temos na memória os passeios em que circulávamos por seus caminhos tortuosos, sob a sombra das copas verdes altas enquanto nos enebriávamos com os mistérios que seus recantos oferecem surgindo em clareiras no meio da “floresta”.  O quanto mais durararão as matas, os animais, as estruturas arquitetônicas e artísticas do agora Jardim Botânico?
Nas vésperas do tão divulgado e esperado 400 anos da cidade, eis que afoitas, as obras surgem aqui e acolá. Do BRT e o traçado da via não espero grandes coisas, quisera eu estar enganada e me surpreenda com seus resultados. Mas do que se vê e se sabe talvez não haja muito, de novo, o que comemorar. E mais recentemente, nos surpreende a divulgação de intenção de construir uma nova passarela em frente ao antigo asilo D. Macedo Costa, hoje abrigando a Escola Militar do Exército. Há uma passarela nas proximidades. E semáforos não tão distantes.
 A quem interessaria mais uma passarela em frente à bela arquitetura do asilo que ainda tem o gradil e áreas livres do lote preservadas? Seria ela imprescindível ao funcionamento da escola militar? Parece que não. Seus alunos certamente desejariam uma vista mais agradável do seu belo prédio, do que sua interceptação visual e parcial descaracterização (o conjunto é tombado e isso inclui gradis, portões, muros, escadarias e elementos anexos ao conjunto).
Possivelmente, desejariam que seus professores e diretores, alçados pelo bom senso e pelo respeito à cidade, não lhes permitisse construir ou fazer tal asneira. A cidade, onde se estabele merece mais carinho, cuidado e, podemos dizer cumplicidade. Sejamos então todos cúmplices da cidade, para o seu bem, em todas as suas dimensões. Para isso, gestores e técnicos, que detem o “poder” da decisão técnica, sejam antes humildes para reconhecer suas limitações e ouçam previamente os demais segmentos, inclusive (e nesse caso importante, pois o bem é tombado pelo Estado e isso é de domínio público) os órgãos de preservação.

Pelo que se pode observar no local, as “obras” de implantação da tal passarela estão no início. Antes paralisá-la agora do que cometer tal desrespeito para com a quatrocentona senhora Maria de Belém do Grão Pará.
 

Pátio da ala masculina, em 1903.
                           
                                                                     
                                                                                                                                             

4 comentários:

  1. É este prédio que irá abrigar o Colégio Militar?

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    1. Sim, esse belíssimo prédio cedido pelo governo do estado, onde antes funcionou a Escola de Governo do Pará. Mas além da cessão, o exército ainda exigiu que fosse construída uma passarela ligando o mesmo ao quartel do 2º BIS.

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  2. Hoje eu conheci o blog, e fiquei sabendo do belo trabalho de vocês. Já li algumas postagens, e um sentimento de desânimo me invadiu. Por outro lado, fiquei feliz em saber que há pessoas engajadas na causa. Parabéns pela dedicação. Se eu puder ajudar de alguma forma, me coloco disponível.

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  3. Obrigado Lia Gloria, confessamos que às vezes esse sentimento nos visita, às vezes a sensação é de que nos querem "matar no cansaço", mas o amor pela cidade e a utopia de que outra cidade é possível nos anima! Você pode nos passar seu email para nosso email : aapbelem@gmail.com e lhe mantemos informadas de nossas ações e também recebemos denúncias de atos de agressão ao nosso patrimônio cultural e ambiental.

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