quarta-feira, 6 de julho de 2016

Ocupe o desocupado! Não ao fim da Casa das Onze Janelas



E eis que em pleno ano de 2016 em que celebramos os 400 anos da cidade de Belém, deparamo-nos com mais uma desagradável surpresa. Estou até querendo pular esse capítulo e ir logo pro 401º aniversário. São daqueles números não “significativos” que nos poupam de algumas “brilhantes” ideias. O atual presente de grego veio em forma de decreto publicado no DOE, do dia 17/06/2916 (o cavalo de Tróia) criando o Polo de Gastronomia da Amazônia. São vários ‘considerandos’ que procuram traduzir as “boas” intenções do ato. Nas justificativas diversas que perpassam por temas da economia, gastronomia e turismo, também aparecem educação e cultura. Uma grande ironia, pois para atender a um, faz-se justamente o sacrifício público de um espaço incorporado pela comunidade como de arte e de pertencimento coletivo. O decreto informa que o prédio que abriga a Casa das 11 Janelas e um outro imóvel situado na “Rua Padre Champagnat, s/nº, Praça Frei Caetano Brandão, entre as Ruas Dr. Assis e Siqueira Mendes” compreenderão o Polo de Gastronomia. O primeiro é público e foi restaurado com recursos públicos. Seria o segundo o imóvel que abrigava a Fumbel e está abandonado à própria sorte já há algum tempo? A propósito, se for esse mesmo, será recuperado com que recursos? Públicos ou da iniciativa privada? Pois ao que sabemos desse processo a iniciativa é “privada” e conta “apenas” com a “parceria” do Estado na seção do(s) espaço(s). Como cidadã questiono: se o Estado pode dispor de imóveis públicos restaurados e em pleno uso para a iniciativa privada, quais os critérios que atenderiam A e não B? Isso teria que estar claro pois outras tantas iniciativas de associações e grupos privados também seriam interessantes para serem beneficiadas com esses critérios. Não sou contra a cessão de espaços públicos para a iniciativa privada quando a atividade prevista gere ganhos coletivos para a sociedade. Temos bons exemplos como a Associação Fotoativa instalada em um casarão na Praça das Mercês ou o Palacete dos Médicos na Vila Bolonha, ambos cedidos pela Prefeitura, com uma ressalva importante: esses próprios usuários empenharam-se na restauração e manutenção dos imóveis. Natural, essa é a contrapartida que se espera. Contudo, esses exemplos fogem completamente da atual circunstância imposta ao MAC e a Casa das 11 Janelas pelo menos. Se o outro imóvel for o abandonado da Fumbel na Padre Champagnat e de fato for recuperado pela iniciativa privada com recursos próprios, tudo bem. Vamos acompanhar os próximos informes. Contudo, isso definitivamente não é o caso da Casa das 11 Janelas. O prédio está em plena condição de uso e nele foram empregados significativos recursos públicos na sua recuperação. O MAC está em plena atividade e apropriado como espaço da sociedade. O que na verdade talvez seja mais simbólico de todo esse processo que ignora a diversidade da sociedade e seus segmentos representativos é a falta de visão e ausência de sensibilidade para com a coisa pública, a cultura e as artes. Apenas o último dos artigos do dito decreto, que mais parece extemporâneo, tamanha a sua imposição antidemocrática, lembra que existe o Museu de Arte Contemporânea. E qual a solução? Todo seu acervo permanece sob a guarda da SECULT assim como seu “funcionamento no local atual até o início das obras do Polo de Gastronomia, quando então serão transferidos para novo espaço a ser definido pela Secult”. Mais simbólico impossível. Último item do decreto, assim como a arte e a cultura foram tratados nesse processo que atropela o bom senso, o respeito à sociedade e a ideia do pertencimento coletivo. Poucos decidiram, à luz de suas visões empreendedoras e privilegiadas, naturalmente acima da visão comum, o quê e como fazer do bem público. Da altura e distância em que se mantêm devem considerar quão ignorantes são os demais que não conseguem acompanhar tamanha benevolência. Ora, mais uma vez meus caros, façam-nos um grande favor: recolham-se e parem para observar a pluralidade da sociedade. Ao governador, restaria apenas um mínimo ato de nobreza: suspender o processo e entender o que há muito as ruas, praças e cidadãos clamam nesse país. Gestores, vocês estão a serviço da sociedade. E não o contrário.
Por Rose Norat, professora da FAU/UFPA.