O prefeito de Belém, Zenaldo Coutinho (PSDB), se comprometeu nessa terça-feira (23) a fazer apresentação do projeto básico de reforma do complexo do Ver-O-Peso a todos os setores da feira, que é a maior da América Latina e encontra-se em estado de abandono após anos sem manutenção. O compromisso foi firmado ao fim de audiência pública promovida pelo Ministério Público Federal (MPF) que acompanha desde 2016 a situação, depois que a prefeitura da capital paraense apresentou uma polêmica proposta de revitalização que provocou forte reação de feirantes, moradores da cidade e órgãos de defesa do patrimônio.
A recomendação de apresentar o projeto básico atualizado foi feita de viva voz ao prefeito pela procuradora da República Nathalia Mariel, após seguidas manifestações de feirantes na audiência pública de que desconheciam a proposta, apresentada anteriormente por funcionários da prefeitura como finalizada e aprovada. Na verdade, a reforma do Ver-O-Peso foi apresentada apenas ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) que, por meio de sua sede, em Brasília, aprovou o projeto básico e permitiu o início do projeto executivo, última etapa antes do início das obras. Agora, antes de iniciar a fase de execução, a prefeitura deverá assegurar a participação dos maiores interessados no projeto. Mesmo tendo sido feita presencialmente, a recomendação do MPF será oficializada à prefeitura ainda esta semana.
A audiência pública promovida pelo MPF no dia 23 foi a segunda para tratar da proposta de reforma do Ver-O-Peso. Na primeira, em 2016, logo que a reforma foi anunciada, os feirantes reivindicavam o direito de serem consultados sobre as diretrizes e rejeitaram a forma como o projeto estava sendo conduzido. Em resposta, o MPF promoveu uma consulta pública junto com o Iphan para receber sugestões. Os técnicos do Iphan em Belém analisaram o projeto inicial e fizeram 23 recomendações para adequá-lo tanto às necessidades dos feirantes e dos usuários quanto à legislação que protege o patrimônio histórico e artístico do país.
De lá para cá, o projeto se arrastou sem acordo quanto às modificações e a feira, sem manutenção, chegou ao estado de abandono em que se encontra hoje. Em 2017, o escritório contratado para fazer a reforma se recusou a acatar parte das recomendações, segundo afirmação dos próprios técnicos da Prefeitura de Belém durante a audiência pública. Cyro Holanda, superintendente do Iphan no Pará afirmou que o impasse fez com que a discussão fosse levada para a sede do órgão em Brasília, onde um novo projeto básico, incorporando parte das solicitações do Instituto, acabou sendo aprovado no último mês de fevereiro.
“Infelizmente não chegamos a um consenso entre as instituições públicas para a execução da obra”, disse o prefeito Zenaldo Coutinho no início da audiência. “Um patrimônio da importância do Ver-O-Peso, nós compreendemos que enseje a preocupação de muitas pessoas, tanto por interesses legítimos como também por interesses esdrúxulos, partidários, ideológicos e políticos”, disse. Técnicos da prefeitura, em seguida, apresentaram uma lista de reuniões feitas com os feirantes, assegurando que eles conheciam o projeto e tinham aprovado a proposta. No decorrer da audiência, no entanto, ficou claro que são necessários mais esclarecimentos e maior participação.
Vários representantes dos feirantes afirmaram não conhecer a proposta. “Se teve reunião com os representantes, então tem alguém representando os representantes. Nós não sabemos o tamanho dos boxes, a localização de cada setor após a reforma, quantos boxes serão. Nós não vimos o projeto”, disse Tomaz Alonso, do setor de hortigranjeiros da feira. Outras preocupações são com o rebaixamento da plataforma que protege o Ver-O-Peso de alagamentos nas marés altas, já que o complexo fica às margens da baía do Guajará; com a manutenção da Pedra do Peixe, local de negociação de pescados ao ar livre e da Feira do Açaí, onde chegam as razas carregadas com o fruto amazônico direto das ilhas no entorno de Belém; com o funcionamento da feira durante o período de obras, já que os feirantes dependem da feira para o sustento diário das famílias; e até com a proximidade do Círio de Nazaré, maior festa católica do país, que leva milhares de pessoas à feira para a compra dos ingredientes do tradicional almoço após a procissão.
Representantes da sociedade civil também se manifestaram na audiência pública, preocupados tanto com o estado atual de abandono da feira quanto com a falta de participação no projeto de reforma. “Enquanto a reforma não sair, seriam necessários reparos emergenciais, algum tipo de plano para melhorar minimamente as condições do local”, disse Luiza Bastos, da Associação dos Amigos do Ver-O-Peso. Nádia Brasil, da Associação dos Amigos do Patrimônio de Belém, lembrou que existem questões importantes, postas pela superintendência local do Iphan na lista de recomendações, que permanecem sem resposta. “Como vai ser feita a manutenção da estrutura que pretendem construir? Como vai ficar a venda de animais vivos, que é um setor fundamental, de importância cultural para manifestações religiosas locais? O projeto inicial apresentado em 2016 teve questionamentos porque ele representava uma mudança na identidade do Ver-O-Peso e o que reivindicamos é um projeto que seja construído com diálogo, não para descaracterizar, mas para valorizar o nosso patrimônio”, disse.
A procuradora da República Nathalia Mariel reconheceu que foram feitas modificações importantes no projeto apresentado em 2016 e que isso é um bom sinal de que se pode avançar no diálogo, mas assinalou que ainda existem pendências relevantes, que precisam de resposta e esclarecimento, como a necessidade de um calendário permanente de manutenção, o respeito às tradições culturais e alimentares amazônicas, que o Ver-O-Peso mantém e protege secularmente. “Todos os itens que precisam ser contemplados serão oficialmente notificados à Prefeitura de Belém, mas desde já fica o aviso para que o projeto básico seja apresentado a cada setor da feira”, disse.
Ministério Público Federal no Pará
Assessoria de Comunicação
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