domingo, 10 de maio de 2015

Matéria de O Globo denuncia demora na execução do PAC das Cidades Históricas: Morosidade nos projetos de restauração coloca em risco bens tombados em 44 municípios.


Em Vassouras, no sul fluminense, a casa do Barão de Vassouras aguarda as obras de restauração
Dos tempos de riqueza do período cafeeiro do Vale do Paraíba, no Sul Fluminense, restaram algumas paredes recobertas por azulejos portugueses. O casarão centenário do Barão de Vassouras, na Praça do Barão de Campo Belo, no Centro Histórico de Vassouras, resiste como pode à ação do tempo, mesmo após o desabamento do telhado que levou parte da construção ao chão. Na mesma praça, o antigo asilo da cidade, onde no século XIX funcionou um hospital de caridade, teve o telhado e o pavimento superior da construção destruídos por um incêndio. Em frente, a Casa de Cultura, instalada em um sobrado centenário, foi fechada por risco de ruir. A poucos metros, o palacete do Barão do Ribeirão enfrenta graves problemas estruturais. Os quatro imóveis são exemplos de bens tombados que aguardam, em 20 estados, por obras de restauração anunciadas pelo PAC das Cidades Históricas.
Anunciado com alarde em 2009 pelo então ministro da Cultura, Juca Ferreira — que retornou à pasta no segundo governo Dilma —, em cerimônia realizada em Ouro Preto, Minas Gerais, o PAC das Cidades Históricas, criado para estancar a destruição do patrimônio histórico nacional, rasteja, emperrado na burocracia. A princípio, o programa beneficiaria 44 municípios. Neles, seriam contempladas 424 ações de preservação colocadas em prática até este ano. No entanto, a demora na conclusão de projetos e as licitações que não aconteceram emperraram obras, deixando sob risco de desabamento os imóveis centenários.


Os projetos começaram a ser elaborados logo após o anúncio do ministro da Cultura. Mas a lista dos contemplados levou quatro anos para sair. Em 2013, o governo pôs à disposição R$ 1,9 bilhão para ser usado até este ano, sendo R$ 1,6 bilhão para obras públicas. O programa também contemplaria, com R$ 300 milhões, uma linha de crédito aos donos de imóveis tombadas pelo Iphan para financiar projetos de recuperação.

Os projetos para o PAC das Cidades Históricas são desenvolvidos pelas prefeituras, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e Instituto Brasileiro de Museus (Ibram). Após aprovação técnica e avaliação de custos, a verba é liberada. São previstas contrapartidas das prefeituras para pagar os projetos.

— Em Belém, infelizmente, dos 15 bens escolhidos, só um teve as obras concluídas: no mês passado foi inaugurada a segunda etapa do Mercado do Ver-o-Peso, obra que começou ainda no Programa Monumenta (ação de preservação do patrimônio anterior ao PAC) e foi concluída com os recursos do PAC. Portanto, foi a continuidade de um processo que já existia — reclama a presidente da Associação dos Amigos do Patrimônio de Belém, Nádia Brasil: — O tempo não espera. O Palácio Bolonha, por exemplo, é uma construção do início do século XX, representante do ciclo da borracha, que pode desabar. 

Risco de perder verbas
Para a capital paraense, foram disponibilizados pelo PAC das Cidades Históricas R$ 47,6 milhões. Estão previstas, entre outras ações, as restaurações do Palácio Antônio Lemos (Museu de Arte de Belém); do casarão do Fórum Landi; do cinema Olímpia; da sede do Arquivo Público do estado; e do Palácio Velho (Teatro Municipal). De acordo com Nádia, Belém terá até o dia 30 deste mês para concluir todos os projetos para o programa.

— O município de Belém está sob risco de perder os recursos do PAC das Cidades Históricas. Há ainda uma grande preocupação com o contingenciamento de verbas anunciado pelo governo federal. Não sabemos se vai afetar o trabalho de restauração — teme Nádia.

No Rio, um dos imóveis em pior estado, e que ainda não teve as obras iniciadas, é o casarão de número 22 da Praça da República, esquina com a Rua Visconde de Rio Branco, no Centro do Rio, onde deverá ser instalado o Centro Nacional de Arqueologia. O prédio é da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e possui risco de desabamento.

Já no Recife, dos oito projetos contemplados, três tiveram obras iniciadas no ano passado. São as igrejas Matriz de Santo Antônio (1790), São Pedro dos Clérigos (1728) e da Conceição dos Militares (1723). As restaurações seriam entregues, a princípio, em abril deste ano, prazo que não foi cumprido. Também em Pernambuco, a cidade de Olinda teve 14 projetos selecionados, mas até agora nenhum teve as obras iniciadas.

Entre os imóveis mais prejudicados pela falta de conservação que se estendeu por décadas em Olinda está o Cine Teatro Duarte Coelho. Da construção, abandonada há mais de 20 anos, sobraram as paredes e a estrutura em metal do telhado. Pelo projeto de restauração aprovado, o local deverá abrigar uma escola de cinema de animação.

O PAC das Cidades Históricas veio como uma resposta às pressões feitas por órgãos internacionais de preservação do patrimônio mundial, entre eles a Unesco. O Brasil era cobrado por falta de conservação de bens das cidades históricas de Minas Gerais. O programa virou alvo de críticas ao governo da presidente Dilma. Em 2013, a oposição já acusava Dilma de ter relançado-o cinco vezes, entre 2009 e 2013, sem resultados concretos.
Funcionários instalam andaimes na fachada da Igreja Matriz de Santo Antônio, no Recife, que será restaurada

A prefeitura de Olinda informou, por meio de nota, que aprovou 14 projetos no PAC das Cidades Históricas. Desses, dois serão geridos pelo Iphan, e os demais, pelo município. “Dos que estão sob os nossos cuidados, seis se encontram em fase final de elaboração do projeto executivo para o início das obras de requalificação. Logo em seguida, faremos as licitações”, diz a nota. Os seis projetos restantes estão com o projeto executivo pronto, “mas passam por ajustes solicitados pela gerência do PAC”, informou a prefeitura.
Também por meio de nota, o Ibram disse que os museus que receberam recursos do PAC não estão, atualmente, com problemas estruturais. A exceção é a Casa da Hera, em Vassouras, que permanece fechada para obras no telhado. O casarão enfrenta problemas de infiltrações. “Os recursos do PAC irão complementar as intervenções, com ações de restauração, ampliação e modernização do museu, porém numa edificação que já não se apresenta em situação de risco”, diz a nota. Procurados, o Iphan e a prefeitura de Belém não se pronunciaram sobre o PAC.





Os projetos aprovados pelo PAC das Cidades Históricas em Vassouras, a Terra dos Barões do Café, vão recuperar cinco casarões da segunda metade do século XIX — do Barão de Vassouras, do Barão do Ribeirão, Casa de Cultura, Museu Casa da Hera e Asilo Barão do Amparo — uma casa — Associação dos Paroquianos de Vassouras —, uma oficina e sete chafarizes na região da Praça Barão do Campo Belo, que serviam para o abastecimento de água.

Construído pelo Barão de Tinguá para funcionar como um hospital de caridade, o casarão do Asilo Barão do Amparo desabou parcialmente em 2011, após um incêndio que destruiu o telhado e o andar superior do prédio. Para evitar a aceleração do processo de deterioração do imóvel, uma cobertura com estrutura em metal foi construída pelo Iphan sobre parte do prédio.
O casarão é cercado de histórias e, por muito anos, foi motivo de orgulho para os moradores do município do Vale do Paraíba. Hoje, o imóvel é motivo de preocupação:
— Nasci em Vassouras e vi nosso patrimônio ser destruído pelo tempo e pela falta de conservação. Dá tristeza ver o estado de prédios como o asilo. Mas a cidade está se mobilizando para reerguer os casarões — afirma o aposentado Wallace Ribeiro Leal, 85 anos.

O PAC das cidades históricas vai recuperar não só o patrimônio de Vassouras, mas a autoestima dos moradores. Esses casarões estão para a cidade assim como o Pão de Açúcar está para os cariocas — acrescenta arquiteto e coordenador municipal do PAC, Paulo Parrilha.
O hospital fundado pelo Barão de Tinguá atendia gratuitamente a pobres, população de rua e escravos. Rico cafeicultor, o barão ficou conhecido no Vale do Paraíba por ter como mulher uma escrava herdada de sua mãe. O casamento nunca foi oficializado na igreja, mas a escrava, que fora alforriada por ele após anos de união, foi reconhecida pelo barão na sociedade como sua mulher.
Casa onde funcionou a Associação de Paroquianos de Vassouras (ASEPAVA)

O prédio do antigo hospital também guarda a história de um judeu que não pode ser enterrado no único cemitério da cidade, que era católico. O pároco na época foi impedido pela igreja de fazer o enterro. O sepultamento acabou sendo realizado no hospital. Posteriormente, como forma de se desculpar das regras rígidas impostas pela igreja na época, o pároco deu uma casa para a família do judeu, que não tinha mais onde morar.
Entre os imóveis beneficiados pelo PAC, a casa da Associação dos Paroquianos de Vassouras será a primeira a ser restaurada. De acordo com a arquiteta do Iphan que integra a equipe que desenvolveu os projetos, Isabel Rocha, a previsão é que a licitação para o imóvel — de pouco mais de 100m² e sob ameaça de arruinamento — deverá ser concluída e as obras iniciadas no segundo semestre.

— Nossa previsão é que todas as obras estejam prontas até 2017 — disse Isabel, que aponta o excesso de cuidado no desenvolvimento dos projetos e a equipe reduzida do Iphan (o escritório técnico do instituto em Vassouras atende a 18 municípios com quatro funcionários permanentes, um estagiário e um mestrando) como duas das razões para a morosidade do PAC das Cidades Históricas: — Projetos com erros vão refletir nas obras. Estamos restaurando um patrimônio, trabalho que requer mais cuidado.
De acordo com a responsável pelo escritório do Iphan no Vale do Paraíba, Keilla Miranda, a verba do PAC prevê ainda a construção de uma escola técnica para formação de mão de obra especializada em bens tombados. Serão oferecidos cursos de pedreiros e carpinteiros, além de restauradores.

POR 10/05/2015
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